Seirến
(palpitante) O amontoado de carros é alvo da luz vermelha vacilante que concretiza uma projeção cônica de som. Divide o oceano ao meio. Atrás de nós, o som é alto e nos transmite a urgência de um coração. No ultrapassar, um horizonte. A sereia chega. Vindo de muito longe, Sereia (do grego antigo Σειρῆνας) é um ser mitológico, parte mulher e parte peixe – ou pássaro, segundo vários escritores e poetas antigos. Ao longo da Idade Média, a começar pelas regiões do Mediterrâneo, a sereia como mulher-peixe suplantou a mulher-pássaro do mito grego.

De que natureza era o canto das Sereias? Em que consistia seu defeito? Por que esse defeito o tornava tão poderoso? Alguns responderam: era um canto inumano - um ruído natural, sem dúvida (existem outros?), mas à margem da natureza, de qualquer modo estranho ao homem, muito baixo e despertando, nele, o prazer extremo de cair, que não pode ser satisfeito nas condições normais da vida. Mas, dizem outros, mais estranho era o encantamento: ele apenas reproduzia o canto habitual dos homens, e porque as Sereias, que eram apenas animais, lindas em razão do reflexo da beleza feminina, podiam cantar como cantam os homens, tomavam o canto tão insólito que faziam nascer, naquele que o ouvia, a suspeita da inumanidade de todo canto humano.
[M. Blanchot]
Ela traz em si o corpo da transformação, torção que deflagra a passagem, troca de pele que no tato denuncia a transição, seja cauda seja asa, poder de movimento, ondular ou voar. Corpo abertura do canto, atiça e penetra o corpo que não resiste à queda, seja água seja ar. Merce Cunningham diz,
Sim, é difícil falar sobre dança. Ela não é tão intangível quanto efêmera. Eu comparo idéias sobre a dança, e a dança em si, à água. Seguramente, descrever um livro é mais fácil que descrever a água. Bem, talvez ... Todos sabem o que é a água ou o que é a dança, mas essa própria fluidez as torna intangíveis. Não estou falando sobre a qualidade da dança, mas sobre sua natureza.
Se a dança é como a água, Seirên é um desenho em duas fases, meio cauda e meio asa. Um estudo continuado pontuado por criações que investigam relações radicais entre dança e som.
1, oceano
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2, estrutura
Perpassando o conjunto das atividades desenhadas designamos procedimentos e modos de fazer (ars - tekné) que desejam aquecer e acordar possibilidades latentes no acontecimento da dança, focando detalhes que na maioria das vezes não são colocados em evidência.

As criações coreográficas são peças de jogo: play. Para as peças de dança nos valemos das variações possíveis entre os papéis de quem dança [d], quem coreografa [c] e quem assiste [a] a fim de traçarmos uma dinâmica triangular que está na base dos diálogos e possibilidades de criação. A partir dessa regra simples, investigaremos a infinidade de variações e atribuições a cada um desses três pontos do triângulo. Sentimos que uma grande parte da dança já começa a ser criada quando decidimos quem vai dançar, quem vai coreografar e para quem será dançada. E então, as variações qualitativas e quantitativas possíveis. Por exemplo, se são 3 pessoas que coreografam 1 pessoa ou se é 1 pessoa que coreografa 3. Se é 1 pessoa que dança para 30 pessoas, ou se são 30 pessoas que dançam para 1 pessoa ver. Se dançamos para trinta crianças, ou se dançamos para trinta cachorros.

Para as peças sonoras, convidamos o som para valer-se da matéria-dança e transmiti-la a quem escuta. Seria possível encontrar a dança sem que tenhamos que ver a dança?

Entre um emaranhado de estudos, criações de peças de dança e peças sonoras. E como inventar qualidades de abertura a fim de tornar acessível ao público o material criado ao longo de todo o processo de investigação e não somente como um produto final acabado? Para tanto, concebemos uma estrutura porosa de aberturas específicas – cursos, ateliês, mostras e instalações – num jogo com um público determinado e limitado. E uma abertura prismática – através da criação de uma rádio que transmite dança – num jogo com um público indeterminado e ilimitado.



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pré clímax, Materiais

i. obras

o pensamento de dança de Hélio Oiticica [em Parangolé-Síntese e A dança na minha experiência]; pensamentos e composições de John Cage [Silence, Inlets]; recortes da obra de Jean-Luc Nancy [À Escuta]; Gilles Deleuze [Diferença e Repetição, A Lógica do Sentido]; Els Lagrou [A Fluidez da Forma]; Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari [ Mallarmé];

ii. cursos

um conjunto de aulas sobre coreodramaturgia com Joana Lopes; um conjunto de aulas sobre Filosofia da Música com Vladimir Safatle;

iii. cursos-ateliê

curso-ateliê A língua é um Músculo II, com a artista da dança e editora Júlia Rocha e equipe, dedicado à fricção entre dança, texto e fala;
curso-ateliê com o artista sonoro e cineasta Vincent Moon;

v. parcerias

o trabalho contínuo com a engenheira elétrica, sonóloga e programadora Sara Lana a fim de abrir novos horizontes sobre as afinidades entre o programar e o coreografar no caso específico da criação de uma rádio;
o trabalho contínuo com um\a artista sonoro [a definir] a fim de abrir novos horizontes sobre as relações entre som, música e dança no caso específico da criação de uma rádio;
a abertura para diálogos com os artistas implicados nas criações [descrito a seguir], os colaboradores da rádio e outros que possam se aproximar ao longo da pesquisa.







pele rádio sereia
vôo

flecha no choque

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Som transmite corpo?
Uma rádio poderia transmitir dança?

Exemplo trivial: o som de unhas arranhando a lousa. Ou, ossos dos dedos das mãos estralando. Ou, ferramentas de um dentista. Ou, vizinhos transando. Ou, os incontáveis vídeos de youtube com horas seguidas de barulho do mar, Ou canto de baleias, destinados aos insones. Ou ainda, as próprias Variações de Goldberg de J. S. Bach compostas para fazer um aristocrata dormir. São sons que modificam os estados e intensidades corporais de quem os escuta.

Em Seirến, a proposta de radicalizarmos a pesquisa entorno da pergunta som transmite corpo? para gerarmos as condições necessárias à criação de uma rádio que transmita dança.

A estrutura é dividida em duas fases: pré-clímax e rádio.


"pré clímax, Criações

i. Série "Sem Título"

partilha periódica da nossa pesquisa em acontecimentos públicos, de formato híbrido já experimentado em outros trabalhos, valendo-se de uma metodologia de criação a qual chamamos Cerco Coreográfico; está prevista a realização de 4 "Sem Título": 3 em na capital de SP; 1 na Mata Atlântica, local ainda a definir.

ii. Crânio Explodindo com Cristal

criação coreográfica realizada pelas 3 artistas do núcleo + 3 artistas convidados [ Beatriz Sano, Eduardo Fukushima e Júlia Rocha], sob as seguintes direções gerais:

- jogo de variações: quem e quantos coreografam e quem e quantos dançam é definido por um jogo de dados. A partir dessa definição, os artistas definem para qual público será criada a coreografia. Serão coreografias breves, para que possamos testar uma multiplicidade de variações;

- mostra+rádio: as coreografias serão apresentadas em formato de mostra. No entanto, desde o início as criações são destinadas a uma mídia específica de transmissão: o rádio

iii. Lances de Dados

antes de chegar ao "Crânio Explodindo com Cristal", realizaremos 3 lançamentos de dados nesse grupo de 6, para começar a experimentar o jogo. Assim criaremos breves coreografias, que poderão, eventualmente, integrar o "Crânio" ou os "Sem Título". Também poderemos experimentar as variações pronominais que tivermos necessidade, independente dos dados;


iv. Peças Sonoras

peças sonoras a serem criadas pelo artista sonoro e engenheiro de som Félix Blume convidado a acompanhar os experimentos de Crânio Explodindo com Cristal e criar conosco danças transmissíveis por som.

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chama

Rádio

A fase seguinte deste desenho é colocar a rádio para funcionar. A princípio, imaginamos que uma rádio se configura como estrutura de produção e transmissão, de modo que esta fase inclui dois meses de pré produção específica junto aos colaboradores e três meses de rádio no ar.

Para além de um pensamento por conjunto de programas, nós gostaríamos de pensar uma programação que transmita dança, lidando de fato com a temporalidade implicada numa rádio. O que hoje intuímos – e nos atrai – é a possibilidade de subverter o espaço da dança. Imaginamos, por exemplo, que é possível a transmissão de espetáculos e de aulas de dança via som; que é possível coreografar o ouvinte, provocar estados corporais específicos. Entre outras ações que consideramos contrapartidas a uma comunidade de interessados na dança, pensamos em ações como um observatório de políticas públicas para dança ou a criação e difusão de arquivos com materiais que contribuem para a formação artística e documentação histórica.

Entendemos ainda que ao longo do pré-clímax teremos tido a possibilidade de formar uma equipe de artistas que junto com a gente manterão a radio no ar ao longo desses três meses.

Nosso desejo é que esta programação seja transmitida tanto via rádiotransmissores (pequena potência 1km, autorizados pela legislação) como via plataforma online. Emitir ondas de rádio e gerar frequencia em raios curtos; romper barreiras geográficas e chegar em qualquer um que deseje se envolver com a experiência da dança por rádio.

do osso

Nessa fase já estaremos criando conteúdos sonoros para a rádio (gravando o corpo-a-corpo, os cursos, os sem título e outros acontecimentos), testando diferentes procedimentos, maneiras de captar e editar o som e pequenas transmissões radiofônicas, colocando ondas no ar.

Considerando o caráter experimental e radical da nossa proposta – que inclui criar uma rádio que transmita dança – esta primeira fase torna-se fundamental para evitarmos que aspectos técnicos sejam um impedimento para subvertermos o funcionamento mais tradicional das coisas. O senso comum de que uma rádio transmite notícias, músicas, jogos de futebol ou cultos religiosos; de que uma dança é para ser vista no teatro.
><.`^
[A leitura] não é filosófica porque os textos lidos são filosóficos – podem ser de artistas, de cientistas, como também políticos, e pode-se ler textos filosóficos sem filosofar – ela só o é [filosófica] se é autodidata. Se é um exercício de desconcentração em relação ao texto, um exercício de paciência. O longo curso da leitura filosófica não ensina somente o que é preciso ler, mas que não se acaba nunca de ler, que só se começa.que não se leu o que se leu. Tal leitura é um exercício de escuta.

[Lyotard]
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Tambor, linha mestra

Perpassando todo o projeto, como linha contínua de dedicação, o núcleo artístico empreende o aprendizado do tambor. Entendemos que a percussão é a mais antiga técnica radiofônica e, dessa forma, no estudo e manufatura do som, no golpe pele a pele, nós esperamos encontrar a linha mestra deste projeto.

A presença do corpo do tambor é o nosso pulso. Pela nossa dedicação ao ato de tocar nós esperamos sentir os contra-pulsos neste mar que é Seirèn.

Nós convidamos um músico percussionista para nos conduzir pelos tipos e timbres de tambor – dunun, atabaque, djembe, sabar, ilú, zabumba – são nomes sagrados. À escuta, esperamos encontrar aquele que melhor ressoa em cada uma de nós.

Feita a escolha, nós nos voltamos à própria feitura do tambor acompanhando a fabricação dos nossos instrumentos com o mestre luthier, Luiz Poeira.
3, feitura do corpo rítmico
Seiren foi elaborada como continuidade dos trabalhos do núcleo artístico composto por Andreia Yonashiro, Bárbara Malavoglia e Marion Hesser [Cerco Coreográfico]. Durante o ano de 2016 nos dedicamos a realização do projeto de aperfeiçoamento técnico artístico, contemplado pelo Edital ProAc [Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo], intitulado Feitura do Corpo Rítmico. Nessa ocasião pudemos nos concentrar no estudo do ritmo e nas especificidades de sua atuação em diferentes tradições poéticas, sejam elas coreográficas ou musicais, salvaguardando a qualidade inseparável de uma noção técnica como justa manifestação da força artística.

Tivemos aulas sobre elementos musicais na música européia e na tala indiana, além de um estudo intensivo sobre a Rítmica de Emile Jaques Dalcroze com o especialista José Rafael Madureira. Em encontros diários estabelecemos um corpo a corpo com um material textual de Laurence Louppe [A poética da dança contemporânea], John Cage [Silence], Jean-Luc Nancy [À Escuta] e com um material coreográfico, criando repetições de trechos de obras consagradas de diferentes coreógrafos.

Nesse período pudemos aprimorar metodologias de estudo de alguns materiais, metodologias que são ao mesmo tempo processos de criação. Realizamos duas partilhas desses processos na forma de um "cerco coreográfico", ocupando duas casas residenciais de São Paulo. Além de | cerco coreográfico | ser nome de nosso núcleo artístico, consideramos que seja também uma técnica de composição, que usa como materialidade as especificidades espaciais, geográficas, corporais, sonoras e temporais como ponto de partida para a composição coreográfica.

Um aspecto crucial em nossa atuação reside numa dedicação tanto ao rigor da tradição quanto à subversão da linguagem artística e filosófica.

Nesse sentido, o próprio projeto da | Feitura do Corpo Rítmico | já era continuidade do projeto | Ambargris - Ocupação Cerco Coreográfico | no qual, em 2014 e 2015 ocupamos a sala Renné Gumiel na Funarte SP, se valendo desse técnica de composição [eleito um dos melhores acontecimentos de dança em 2014 pela Folha de São Paulo, enviamos em anexo portfolio com detalhamentos dessas criações]. Na conjugação entre os eventos tradicionais como aula de dança, espetáculo de dança, criação de dança, conversas sobre dança pudemos acolher diferentes tradições poéticas [de culturas oriundas de diferentes geografias e intensidades corporais] a fim de friccionar o fazer técnico-criativo do ponto de vista poético ao invés de reproduzir padrões limitados ao terreno da estética da cena ou à história do espetáculo.

Por confluência, as artistas do núcleo trabalham juntas também [como artistas convidadas] em outro projeto de dança, o | Terreyro Coreográfico |, no qual podemos desenvolver outras questões num ambiente mais amplo e bastante fértil, de interlocuções e parcerias. Deslocando totalmente o espaço da dança, pudemos trabalhar sob o viaduto Júlio de Mesquita no último ano, desenvolvendo criações que também são fundamentais para o desenho de | Seiren |. Do ponto de vista teórico, é nesse ambiente que tivemos a oportunidade de uma leitura demorado sobre diversos assuntos do universo coreográfico em cruzamento com a arquitetura e a antropologia.

Portanto, a noção de | feitura do corpo | vem de uma meditação contínua a respeito do termo cunhado por Eduardo Viveiros de Castro em seus escritos sobre o pensamento selvagem [perspectivismo ameríndio].


Por fim, atualmente trabalhamos na finalização de uma publicação intitulada | Poet Com | com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2017, na qual desenvolvemos muitas das questões acima apresentadas e chegamos nessa aproximação da dança à oralidade, que definitivamente habita as entranhas dessa Seiren.






Todo ato é virgem. Mesmo o ato repetido.
[John Cage]
Durante uma experiência coreográfica, o bailarino e também o espectador tornam-se atores e testemunhos do tempo. O som, de acordo com John Cage, ao invés de uma escultura, surge e desaparece no tempo. Este desaparecimento funciona antes de mais nada como testemunho da existência do tempo como trama, como vetor de execução e acabamento. De um ato.

[Laurence Louppe]
O corpo, sendo o lugar da perspectiva diferenciante, deve ser maximamente diferenciado para exprimi-la completamente.
[Eduardo Viveiros de Castro]
Feitura do Corpo Rítmico, entranhas
[procedimentocoreográfico.hotglue.me]
Ambargris - Ocupação Cerco Coreográfico
[https://choreografico.hotglue.me]
4, clímax corporal
( . . . )
1964, PARANGOLÉ-primeiro

= A obra requer aí a participação corporal direta; além de revestir o corpo, pede que este se movimente, que dance em última análise. =
naquela época a

DANÇA

era pra mim aspiração ao mito, mas, mais importante, já era
in-corporação
hoje ela é nada mais q
clímax corporal
não-display
auto-clímax
não-verbal
( . . . )

absorção do tempo: fim do display fragmentado: falar em cosmicidade não deve implicar em algo extra-concreto mas em assumir o poder de inventar
o NÃO-FRAGMENTADO

= inventions are extensions of man’s energy =
I seem to Be A Verb –
Fuller with Agel and Fiore
não me interessa na dança o seu estado naturalista de “manifestação humana” nem reduções a ego-trip (fragmentação neuro-psíquica) mas liberação inventiva das capacidades de

play
é
INVENÇÃO-PLAY

( . . . )
Em termos de dança, cada uma das integrantes do núcleo é nativa de tradições de dança distintas, tendo um histórico de rigorosa e contínua dedicação às especificidades de diferentes abordagens [mais ou menos cênicas]. O que importa para nós é a relação temporal que permite a dança ser corpo de uma maneira que escapa totalmente a uma fragmentação intelectual-psíquica sobre o que a dança é para nós. Seja na técnica de Martha Graham, ou de José Limon, ou no Flamenco, ou no Balé, ou na improvisação, ou na patinação sobre gelo, ou na dança clássica indiana, ou na coreotopologia; a presença de um corpo rítmico atravessa a experiência do movimento dançado, derrubando as barreiras das diretrizes de uma estética da encenação; nos encontramos no corpo do conhecimento que é intensidade de vida.

Inclusive, no rigor da filosofia, a intimidade de um corpo que é intenso por não fragmentar o pensamento como algo da habilidade de uma mente que não é corpo. Portanto, o rigor da tradição técnica pode ser alargado para além dos confins da estética do espetáculo e da instituição histórica para poder respirar dança no acordar e levantar da cama, ou no andar sob a lua. Ou seja, nosso suor no bloco de carnaval é o mesmo de uma aula de balé, nossa alegria também.

No caminhar, o trânsito nos é facilitado pelas palavras de Steve Paxton nos contando como ele concebe sua primeira experiência de dança. A seu ver, foi durante um exercício na escola em que, ao colocar uma mão dentro de um recipiente com água quente e a outra num recipiente com água fria, ele percebe que o pensamento se move no corpo. Nossa comoção, dele associar essa percepção a uma experiência de dança. Seguimos no seu caminho.

Uma vez lá, outro encontro nos ampliou e nos atiça ainda hoje, a aproximação aos escritos de Hélio Oiticica. A nosso ver, por estar imerso no clima dos anos sessenta, a liberdade da não especialização para a intensidade da invenção, por um lado. Por outro, o desprendimento completo, para adentrar as águas de uma tradição de dança das mais pulsantes poderosas: o samba. Por essa porta de entrada, vindo de uma perspectiva que já havia re-visto as dimensões elementares das artes visuais, encontramos um pensamento refinadíssimo que sintetiza todo fazer de sua arte.

E quando ele fala: a dança é nada mais que climax corporal, admiramos sua perspicácia e poder de síntese. É justamente nesse ponto que vemos cruzar a dimensão da ritmica com um ganhar do espaço e do corpo que é, simplesmente, intensidade. Tendo esse pensamento como abertura, e não conclusão, é que imantamos um campo de trabalho e diálogos entre nós, apostando que ao engajar o corpo, na intimidade, é possível termos um aparato de criar danças a partir de um jogo de pronome. Criar o eu que dança o tu e virá nós. O dois que por ter o um é elas. O jogo, o aparato, é feixe apertado para vazar dança. No clímax, outras continuidades e perspectivas, outros corpos.




It only takes an instant for an impression to become a vision.
[Bill Viola]
Partindo do questionamento de como uma imagem pode carregar-se de tempo, Agamben (2004) encontra em Domenico da Piacenza, com o seu tratado Dela arte di ballare et danzare, escrito por volta de 1400, um dos elementos fundamentais da dança, a fantasmata: “um instante imprevisível entre dois movimentos, capazes de contrair virtualmente na própria tensão interna a medida e a memória de toda uma série coreográfica” (AGAMBEN, 2004, p.54).
Para Domenico a dança é uma operação conduzida pela memória, uma composição por fantasmas em uma série temporalmente e espacialmente ordenada. Desta forma, o lugar do dançarino não está no corpo e no movimento, mas sim na imagem como “cabeça de medusa”, como pausa não imóvel, carregada, ao mesmo tempo, de memória e de energia dinâmica, o que leva a crer que a essência da dança não é mais o movimento, sim o tempo

No âmbito do jogo que desejamos, de então transmitir a matéria-dança pelo som, encontramos algumas pistas seguindo esse mesmo caminhar. Num possível clímax corporal é que a manifestação do som e movimento se encontram como intensidade. No livro | Nymphae | Agambem trata de um conceito muito antigo presente num tratado de dança italiano do séc.XV que parece ser fundamental para nossa radicalização:
A ousadia de colocar no centro da dança o tempo, e não o movimento ou corpo, é algo que faz sentido do ponto de vista de uma sensibilidade coreográfica. A sobreposição de memória e energia dinâmica como pontualidade virtual poderia então ganhar o corpo do som. Como localizar no som a pontualidade que transmite coreografia?

A pista que temos hoje começa num aparato tecnológico, num tipo de microfone especial, o microfone binaural. No youtube podemos encontrar alguns vídeos com áudio gravados por meio dessa técnica. No link: https://www.youtube.com/watch?v=IUDTlvagjJA | virtual barber shop | podemos ter a experiência de ser alguém que tem seus cabelos cortados. Através desse artifício, sentimos em nosso próprio cabelo e cabeça o fio da lâmina. O movimento de cortar é real para nós pois integra nosso próprio corpo. Ainda mais impressionante é o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=NncADNIFHXQ | virtual dentista |, no qual sentimos nossa boca, essa cavidade selada e privada, sendo atravessada por um instrumento que não existe. A água que ouvimos é sentida em toda sua umidade.

Devido à natureza de nosso projeto entendemos que a audição desses sons são parte fundamentais do texto, por isso encaminhamos-os em anexo, como continuidade orgânica dessa grafia em linha.

Começamos a pensar esse tipo de efeito que o som cria em nós como algo que se aproxima da ideia de um clímax corporal, intensidade corporal. Uma experiência em que nosso corpo - enquanto corpo que está habituado a fragmentar movimento e pensamento, mão de braço, orelha de som; e que tem como dadas certas preconcepções, banalizando nossos sentimentos de “certeza”- uma experiência em que esse nosso corpo fragmentado se dissolva. Dissolução que é absorção do tempo, que é dissolver limites da matéria física em intensidade de forças concretas.

Ou seja, o som tem esse poder de nos conduzir a estados e situações corporais, construir um lugar, aproximar e afastar corpos através de forças que não prescindem de uma mecânica. Nesse projeto propomos radicalizar nossos estudos de como o som transmite corpo para podermos criar uma rádio que transmite dança.
ii. crânio explodindo com cristal
O Jogo

Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso

Criaremos uma série de peças de danças curtas [com duração de até 7 minutos]. Partindo do jogo triangular entre quem dança [d], quem coreografa [c] e quem assiste [a], entre as três integrantes do núcleo artístico, convidamos os artistas Beatriz Sano, Eduardo Fukushima e Júlia Rocha para triangularem com a gente, e assim, criarmos um exponencial de variações possíveis.

Usaremos o dado como artifício poético, valendo-se das seguintes regras:

1. Desenhamos duas colunas, coluna A e coluna B [*].

2. Lançamos o dado duas vezes, uma para cada coluna [cada linha significa uma dança a ser criada]. Supomos que criaremos três danças, completamos três linhas [**]. Uma vez que somos em 6 jogadores, a soma de cada linha tem que sempre ser igual ou menor que seis. Se por acaso ultrapassar, é necessário lançar os dados novamente [***].

3. Tendo formado os números de cada linha, lançamos o dado mais uma vez para cada linha. Se o número que sair for par, colocamos uma ficha da esquerda para direita. Se o número que sair for ímpar, colocamos um flecha da direita para esquerda [****].

4. Associamos o nome de cada jogador a um número de um a seis. Para cada linha, sorteamos os nomes correspondentes ao número de coreógrafos ou dançarinos já determinados. Conforme um número sai, ele não pode voltar no caso de sorteio das duas casas da mesma linha [*****].

E assim temos, por exemplo, uma série de danças a serem criadas, sendo que quem assisti [a] será definido de acordo com desejo de quem coreografa [c] e quem dança [d].

[*]
[**]
[***]
[*****]
[******]
i. sem título, cerco coreográfico

Criaremos uma série de 3 Sem Título, fala-procedimento para compartilhar materiais textuais, sonoros e dançados através de um jogo coreografado com o público. No dia 16 de novembro de 2016 fizemos o primeiro Sem Título, durante o Disseminário Coreográfico, dentro do Terreyro Coreográfico.

O jogo se estabelece numa apropriação de uma casa particular que tenha qualidades arquitetônicas pontuais que dialoguem com os materiais que estamos estudando e criando.

Uma primeira experiência desse formato foi possível nos dias 31 de maio e 1, 2 e 3 de junho, quando realizamos três dias de fala-procedimento num casarão antigo na avenida Paulista e um último dia nos vagões de trem da linha da CPTM. Chamamos esse acontecimento de "Ao Ritmo", e lá já adentrávamos essa maneira de compor coreograficamente diversos materiais com uma técnica de cerco coreográfico.

A idéia do Sem Título é estabelecer um público-destinatário [p-d], para aquele que temos uma relação de necessidade e de afeto para compartilhar e dialogar. Na situação do Terreyro, os demais 11 integrantes do projeto fizeram esse papel de público-destinatário, sendo nossos interlocutores desde o início em que começamos a desenhar coreograficamente o acontecimento. Tínhamos essa clareza e foi fundamental para o processo de composição não ter um público abstrato. Ao mesmo tempo, abrimos inscrições para interessados em geral poderem participar como um público-testemunho [p-t], que ocupando esse lugar claro, também sente-se a vontade para integrar a composição coreográfica do procedimento. Desenhamos essa simetria entre 11 pessoas de público-destinatário e 11 pessoas de público-testemunho, éramos então 3+11+11.

Sentimos que foi essa clareza de jogo que criou a planta baixa para que a partilha de materiais ganhasse um fluxo coreográfico desde o momento em que as pessoas entravam na casa. Foi possível também considerar e preparar outros detalhes, como a disponibilidade de banheiro, lugares para colocar as coisas e uma intimidade que envolvia todos vestirem suas roupas de banho.

A partilha de deu em volta de uma piscina que serviu de mesa de discussão onde a água era fio condutor de corpos, movimentos e pensamentos.

Toda dimensão arquitetônica da casa foi considerada para acomodar as especialidades de cada material e fala partilhada, assim como sua localização na cidade, permitindo que a chegada fosse movimentada desde a estação de trem até um bairro residencial na Lapa.

No atual projeto, propomos a criação de uma série de 4 Sem Títulos tendo como público-destinatário [p-d] a nossa própria equipe de trabalho, com abertura a um público-testemunho [p-t]. Assim compartilharemos com o público, a partir de um desenho de jogo, os materiais e pequenas experimentações que faremos durante a fase de pré-clímax. Desenharemos uma geografia considerando a totalidade da cidade de São Paulo e a necessidade advinda de cada material estudado e criado. Manteremos nessa composição de jogar com o público esse movimento de penetrar o privado, ou seja, escolheremos 4 casas para sediar esse jogo. Por necessidade sonora, desenhamos ainda que 1 desses sem-título será realizada numa casa situada na Mata Atlântica, mesmo que tenhamos que cruzar o limite municipal, para termos a chance de nosso material povoar um outro tipo de selva.



Na origem das ideias presentes em Seiren havia em nós a sensação de que existe uma semelhança entre a cidade, a selva e o oceano. Para tatear a multidão intrincada na selva, a rádio surgiu como possibilidade de toque suave, que poderia adentrar casas e corpos.

Para além disso, no nosso caminho de dedicação à dança e à filosofia, inspiradas também por alguns pensamentos do universo ameríndio e pelas palavras de Viveiros de Castro, sentimos a importância da materialização de algumas ideias nos nossos corpos: a incorporação ou encarnação de pensamentos e imaginações.

Por isso sentimos a importância de adentrarmos a selva com nossos corpos. A selva tão próxima e tão distante de nós que é a mata atlântica presente nos limiares de São Paulo. Se som cria corpo, o ambiente sonoro da mata cria em nós algo impossível de reproduzir em outro lugar. Os sons da mata e os sons da cidade poderão se aproximar ou afastar nas semelhanças e diferenças percebidas pela nossa escuta.

A realização de um Sem Título nesse contexto é a chance de que esse fluxo de troca e incorporação possa acontecer por uma via não só experimental como também poética. Esse Sem Título terá uma duração de dois dias, o público destinatário [p-d] será a própria mata atlântica, e o público testemunho [p-t] 12 pessoas que tiverem a vontade de adentrar essa paisagem conosco [tanto artistas de nossa equipe quanto desconhecidos que poderão se inscrever para a atividade].
iii. a língua é um músculo
6, rádio
Preparo e Colaborações:

Durante todo período de pré-clímax estaremos num diálogo constante com uma programadora, um artista sonoro e outros artistas e colaboradores que contribuirão em pequenos experimentos. A artista programadora é Sara Lana. O artista sonoro, dedicado à captura das soundscapes do processo e a partilhar conosco suas tecnologias, ainda está em aberto [entendemos que no percurso até o início do projeto poderemos direcionar o tipo de diálogo que precisamos e encontrar o parceiro para tanto]. Com eles teremos esse período de ganhar intimidade, eles com o ambiente da dança, nós com o ambiente da programação e do som, para que juntos possamos intuir e rascunhar possibilidades para a Rádio.

Perto deles, durante a triangulação de três [núcleo artístico] no corpo a corpo com materiais, testaremos o suor da dança - na dimensão de nossos corpos e na variação de nossos pronomes - em confronto direto com a dimensão técnica de captação de som, composição sonora e transmissão de som. Assim, teremos um conjunto de experimentos pontuais que são ao mesmo tempo criações - algumas dando mais certo do que outras, imaginamos. Desse modo, desde o princípio já estaremos direcionando nossos espíritos para a rádio.

Tendo percorrido um solo de radicalização entre dança e som no Pré-Clímax, entendemos que na fase da Rádio teremos que adentrar outras investigações, por exemplo, como uma programação é diferente de um programa, que é diferente de uma série. Aprofundaremos as considerações sobre essas diferenças e semelhanças, e outras, levando em conta também a própria fisicalidade da rádio - as transmissões por onda que ganham perímetros de 3 localidades específicas da cidade de São Paulo - do que faz sentido em termos de programação num determinado raio da cidade.

Portanto, o que desenhamos dessa rádio por hora é uma estrutura de investigação, experimentação e criações pontuais, uma estrutura de produção de conteúdos para programação, a concepção e criação de uma programação da rádio em si. Nessa fase, contaremos também com a colaboração de outros artistas. A princípio, definimos 3 convidados e deixamos em aberto 7 nomes de colaboradores que escolheremos ao longo do trabalho no Pré-Clímax.

Sara Lana segue como colaboradora ao longo de todo projeto, de modo que além dos seus saberes também nos aproximaremos de materiais que são caros a seu percurso de criação, em especial de sua paixão pela rádio (por exemplo trazendo a presença do professor Carlos Palombini, adensando o exercício de adentrar a cultura radiofônica), que vislumbramos que possa frutificar em criações radiofônicas.

Dentre os três colaboradores da rádio já apontados:

Convidamos o artista Lineker, como uma continuidade de parcerias em projetos anteriores nos quais acompanhamos de perto sua investigação entre o som e a dança, que resultaram no espetáculo ECO. Lineker foi também pensado nesse contexto por ter um trânsito no universo musical, pois seu trabalho como cantor já é bastante reconhecido e amadurecido. Sentimos que essa sua dedicação dupla é perfeita para um interlocutor que se anime a criar conosco a rádio.

Convidamos Gustavo Nascimento, especialista em captação de som direto no cinema e estudioso das rádios de arte no mundo afora, para nos ajudar com a estrutura de transmissão do som e colaborar com um programa onde possa ter a liberdade de propor uma criação que surja de nossas trocas e conversas.

Convidamos a artista e pesquisadora Luanda Vannuchi para colaborar na criação de um observatório da pulsação da dança no âmbito e na escala da cidade de São Paulo. Nos sensibilizamos por sua intensa dedicação à dança que corre em paralelo com sua atuação e pesquisa no observatório de políticas urbanas da FAU, USP. Intuímos que ao longo de uma aproximação e troca, tendo uma total liberdade para deformarmos esse ponto de partida, poderemos também chegar à criação de outro programa que componha a programação.

Além disso nós já vislumbramos alguns programas, séries e drops que desejamos realizar. Entre esses: o desafio de transmitir um conjunto de aulas de danças via rádio; conduzir grupos de estudos via rádio; promover encontros e debates sobre temas de interesse nosso; coreografar em tempo real os ouvintes; ler filosofia ao vivo; e alguns outros exemplos, além da temporada das coreografias para rádio criadas no "Crânio Explodindo com Cristal".

Intuímos que os outros 7 colaboradores poderiam ser artistas sonoros, músicos, dançarinos ou filósofos, que produzirão conteúdos pontuais ou extensivos para a programação.

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As Ondas:

A radiatividade emerge o corpo como na água: quando ouço rádio, parece que vivo dentro dele. A transmissão de Orson Wells, que criou nos anos 80 uma ficção jornalística sobre uma invasão marciana, entremeando a programação da rádio com notícias em tempo real, causando pânico e até mortes, nos mostra o poder dessa atmosfera radiofônica. O rádio é tempo real e cria mundos com som.

Nas palavras de Mcluhan, que pensa as mídias como extensão dos homens, o rádio seria o tambor que retribalizou o mundo ao despertar nos indivíduos sensações que antes cabiam aos rituais primitivos e ao permitir que eles se agrupem em torno de interesses comuns. Para ele a rádio acentua e intensifica a cultura oral, a voz humana. Resgata o sentido de comunidade, a voz do quarteirão, o localismo. Também a magia tribal antes soterrada na memória, o acesso ao mundo não visual e a comunicação íntima e particular de pessoa a pessoa.

Inspiradas por tantas ideias e experiências, como coração da pergunta "por que criar esse rádio?" nossa resposta é o ânimo com a chance de que a pessoa que escuta a dança somente via som tenha seu corpo livre para se mover e fazer o que quiser, simultaneamente. O rádio pode transmitir um som cuja caixa de ressonância e de possíveis ecos é o próprio corpo do ouvinte. Este, tendo o corpo liberado da necessidade de estar olhando para uma dança, liberado de ser visto por outras pessoas, liberado para ouvir a rádio sozinho em sua casa, na rua ou mesmo dentro do teatro, ganha outras dimensões de relação com a dança.

Isso é algo que a visão, quando sentido em primeiro plano, não permite. Ou que a arquitetura cênica não permite, por constranger a visão do outro. Não desejamos para tanto artificializar um espaço cênico, fingindo de que seria possível essa movimentação livre, mas deixar sob responsabilidade do ouvinte a escolha de transitar entre privado e público, na manifestação da dança que ele presencia em seu próprio corpo.

Clímax corporal é o plano onde nos encontramos, apesar da separação espacial, por causa da temporalidade do rádio. Compartilhando o tempo, estamos juntos numa vibração de escuta, que é corpo, que é espaço, que é dança.

Apesar de termos esse olhar primordial para inventar a rádio - a transmissão de som que permite que cada um possa sintonizar-se com a programação como quiser - também aliaremos algumas vezes a transmissão ao vivo a um acontecimento presencial: haverá uma agenda de eventos que serão abertos ao público e que inclusive, dependerão da presença do público - seja fazendo uma aula, participando de uma conversa, ou assistindo uma dança. Nesse sentido, gostaríamos de criar estruturas técnicas para que os sons e a espacialização presentes no público possam fazer parte da captação e composição sonora.

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Transmissão:

Nas palavras de Sara Lana, o som é um instrumento privilegiado, carregado de potência política por sua capacidade de fraturar a fronteira entre o público e o privado e por colocar em coexistência todas as suas dificuldades e belezas. Essa riqueza, inevitavelmente compartilhada e controvertida, deveria se acessar com ferramentas e plataformas que, em vez de privatizá-las, permitem o seu acesso, promovem o seu conhecimento e melhoraram a sua capacidade criativa e de ação, facilitando assim, sua discussão e difusão.


Do ponto de vista do jogo com público em Seiren, durante a Rádio a relação se torna ao mesmo tempo mais disseminada e mais indeterminada. Ao longo de uma transmissão com radiotransmissores de 1km, não podemos saber quantas pessoas nesse raio de fato nos ouvem, apesar da escolha dos pontos de transmissão implicar em si a escolha de um público específico que frequenta aquela região. Essa escolha será feita ao longo da pesquisa durante o Pré-Clímax.
Na plataforma de transmissão na internet será possível mensurar quantas pessoas estão nos ouvindo, mas elas podem estar espalhadas ao redor de todo o mundo.
Ainda como parte dessas criações temos no horizonte a determinação de que as peças de danças serão utilizadas para criação de peças sonoras que tenham o poder de transmitir através da rádio um temporada de re-apresentações dessa série. Por esse motivo, ao longo de todo trabalho estaremos em parceria com o artista sonoro Felix Blume. Esse último nível de lapidação determinante também do curso da criação.

Apesar desse destino, realizaremos também uma mostra, desenhando um jogo de público presencial ao vivo. Poderemos compor com as pequenas peças de forma modular e trabalhando as simultaneidades, encontros e desencontros, como numa arena de jogos. Consideramos que acomodaremos essa composição maior num grande espaço que tenha a possibilidade de circulação e trânsito de cômodos, salas, espaços internos e externos. Jogaremos com os públicos determinado no ato do jogo de criação, e com um público indeterminado que poderá chegar espontaneamente através de nossa divulgação.
Geografia | grafia da terra

Considerando o aspecto físico da rádio transmissão iremos desenhar dois pontos no mapa de São Paulo. A princípio, sabemos de dois lugares dedicados à dança na cidade que trabalham bastante em diálogo com a paisagem na qual estão inseridos. Usando mesmo características e questões da especificidade de um lugar como força motriz de uma pesquisa e desenvolvimento criativo em dança.

A saber, pensamos no Terreyro Coreográfico, do qual participamos também como artistas convidadas, e que tem um trabalho continuado sob o viaduto Júlio de Mesquita, criando dança a partir do vazio, dos moradores, dos conflitos e tantos outros desejos que são capturados na atenção dos artistas que têm esse lugar como uma espécie de ateliê mesmo.

Pensamos também no Ponto de Cultura e Companhia Sansacroma, que admiramos bastante e acompanhamos de longe. O pensamento inclusive insiste por um desejo de aproximação e contaminação.

Trabalharemos com esses dois pontos como partida para um diálogo e intimidade que permita entendermos como poderemos incluir como nossos colaboradores artistas que transmitam suas criações, essa pulsação já configurada como espaço urbano dedicado a dança.

Pensamos nesses dois lugares ouvindo nossos desejos de atravessar as grandes pontes, encontrando o movimento de atravessar as águas, para dar à rádio esse volume físico que tem em si a própria dimensão da cidade.
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* jogo de público pontual

2 ateliês-oficina, com jogo de público | a língua é um músculo + som
3 conjuntos de aulas, com jogo de público | filosofia da música + rádio + coreodramaturgia
4 sem-títulos, com jogo de público | série de 3 em SP + 1 na mata atlântica
1 mostra das criações "crânio explodindo com cristal"

* jogo de público prismático

1 programação de rádio, transmitida por 2 rádiotransmissores e por uma plataforma virtual, no ar por 3 meses.

O corpo não está no centro. Está à frente.
[Eduardo Viveiros de Castro]
+ a questão do ao vivo, a possibilidade de ter uma conexão temporal com o espectador\ouvinte. que é diferente do podcast gravado. e a necessidade de emitirmos ondas de rádio, desta fisicalidade específica que alcança através de um modo analógico. que estamos dispostas ao híbrido, analógico e digital, meio mulher meio peixe.
+ o ouvido é o que dá a tridimensionalidade do espaço, mais que os olhos. transmitir o espaço da dança, mais do que os corpos da dança.
- pesquisa continuada
A atitude do poeta em uma época como esta, onde ele está em greve perante a sociedade - é pôr de lado todos os meios viciados que se possam oferecer a ele. Tudo o que se lhe pode propor é inferior à sua concepção e ao seu trabalho secreto.
[Mallarmé]
7, alguns detalhamentos

se alguém "percorresse num sábado qualquer os becos e vielas de alguma favela brasileira ouviria uma complexidade de sons e sentidos, os pobres em suas performances a insistir em reinventar a vida diante do genocídio cotidiano. Às balas que não são de borracha, o funk responde com sons de tiros tornados percussão eletrônica, a narrar, de um ponto de vista que não aparece nos jornalões, a sobrevivência nas periferias de nossas grandes cidades. Tornar tiro som, fazer da morte música, festejar a vida em meio ao extermínio: a criação estética de sobrevivência é situacional, aposta num entrelugar onde nada é fixo, onde qualquer referencial que se pretenda universal é desconstruído, e as missões civilizatórias ruem meio que ridiculamente, a testemunhar a impotência da crítica.

[Carlos Palombini]
iv, porosidade - aberturas
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A Língua é um Músculo II
A LÍNGUA É UM MÚSCULO, é um espaço-oficina para a criação de um encontro onde se experimentará a linguagem como corpo. perceber o corpo e a palavra como criadores de si e de sentido.
colocar pingos nos is
falar é fazer
cada um um corpo uma voz uma língua um texto
o corpo na escuta na leitura na escrita no tempo no espaço.
Idealizada pela dançarina-editora Júlia Rocha e realizada em parceria com os artistas da dança, da escrita e da antropologia Clarissa Sachelli, Filipe dos Santos Barrocas, Isabel Ramos Monteiro e Renato Jacques de Brito, que vão dividir e construir durante doze encontros seus interesses e reflexões no corpo, na palavra e no movimento, com quem deseja se debruçar sobre esses assuntos.

A primeira edição da “Língua é um Músculo” aconteceu entre Setembro e Dezembro de 2014 dentro de Ambargris, ocupação do Cerco Coreográfico na FUNARTE SP. Como fruto desta, uma publicação com lançamento previsto para 2017 [em anexo] e algumas gravações [ aqui - https://soundcloud.com/juliadarocha/sets/a-lingua-e-um-musculo]
*Ateliê-Oficina - 12 encontros de 2 horas cada – público prioritário: filósofos, artistas e estudantes interessados nas relações entre dança e palavra.

Som
Com Vincent Moon
Curso teórico prático em que o artista compartilhará ideias e procedimentos do seu percurso, abordando estratégias de captação de som direto, a tridimensionalidade e as poéticas do som.
*Curso - 5 encontros de 3 horas cada - público prioritário: filósofos, artistas e estudantes interessados em captação sonora e poéticas do som.

Filosofia da Música
Com Vladimir Safatle
Ementa a ser enviada por marion
*Curso - 5 encontros de 3 horas cada - público prioritário: filósofos, artistas e estudantes interessados nas relações entre filosofia, música e dança.

Rádio
Com Carlos Palombini
Breve panorama da história do rádio, adentrando o poder da cultura radiofônica no mundo de hoje.
*Curso - 5 encontros de 3 horas cada - público prioritário: filósofos, apresentadores, artistas e estudantes interessados na cultura radiofônica.

Coreodramaturgia na Dança
Com Joana Lopes
Curso teórico prático sobre Coreodramaturgia, conceito cunhado por Joana Lopes que, na suas palavras, designa um “sistema de escritura cênica para atores, atores-bailarinos, performers, arte-educadores. Conceito que nasceu da pesquisa denominada Do Movimento à Palavra, da Palavra ao Movimento. Aplicado na criação dramatúrgica do Teatro-Dança e nos eventos da Arte do Movimento. Define-se como contribuição à Coreologia de Rudolf Laban e é fundado nos princípios elementares desta teoria. Estilisticamente configura-se como neo-expressionismo e designa uma obra de perfil interdisciplinar”.
*Curso - 5 encontros de 3 horas cada - público prioritário: artistas, arte-educadores e estudantes interessados em dança, teatro e dramaturgia.

Rádio – Transmissões 1km
Três transmissores de curta distância (permitidos pela legislação brasileira) serão instalados em pontos estratégicos da cidade de São Paulo visando tanto a disseminação da Rádio quanto a conexão do Cerco Coreográfico com outros núcleos artísticos, especialmente aqueles que ficam nas periferias, além das pontes. O processo de encontrar esses pontos é parte integrante da pesquisa.
*Emissão da rádio - 3 meses de programação - público prioritário: público ao redor dos três transmissores de curta distância.

Rádio - Plataforma Virtual
Nesta interface o pensamento de programação poderá ganhar outras dimensões de jogo com os ouvintes. O desenvolvimento da mesma se dará ao longo do projeto, concatenando as vibrações da dança, do som e do rádio numa plataforma permeável. Além da possibilidade de ouvir a rádio on-line e do acervo de programas já realizados, janelas se abrem para outros materiais e registros criados ao longo da pesquisa.
*Site - 3 meses de programação + eternidade virtual - público prioritário: indeterminado


Possíveis programas de rádio:

Húmus | Coreografar o Fígado | com Marion Hesser
3h - 1x semana - duração: 5 semanas | total: 15 horas

Húmus | timbres | Com Marion Hesser e músicos convidados
40 minutos - 1x semana - duração: 12 semanas | total: 8 horas

Leio filosofia para você | com Marion Hesser
2h – 4x semana - duração: 9 semanas | total: 72 horas

Série de aulas de dança | com Andreia Yonashiro
Balé – Martha Graham - Coreotopologia
1h - 2x semana cada aula – duração: 3 meses| total: 72 horas
Ao vivo, com três alunos convidados [aberto para quem quiser aparecer e fazer de ouvinte]

Aulas de Canto no Rádio| com Lineker
30 minutos - 1x semana - duração: 3 meses | total: 6 horas

Observatorio da Pulsação da Dança em SP | com Andreia Yonashiro e Luanda Vannuchi
Série de transmissão de encontros, debates comentados e entrevistas sobre acontecimentos no campo da política cultural, cruzando a fala de instituições, cidadãos e profissionais da cultura
1h30 – 1x semana – duração: 3 meses | total: 18 horas

Leitura seguida de Comentários | com Andreia Yonashiro
• A Poética da Dança, Laurence Louppe
• Viveiros de Castro, Els Lagrou
• Lectures, John Cage
1h - 1x semana cada livro – duração: 3 meses| total: 36 horas

Narrações de Dança | com Bárbara Malavoglia
Trechos de coreografias selecionadas são narradas como uma história, nos seus mínimos detalhes, procurando na precisão o espaço da poesia.
30 minutos - 1x semana – duração: 2 meses| total: 4h30
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Na versão "drops", que entremeia a programação da rádio, um minuto de coreografia é narrado em tempo real.
1 minuto - 3x semana – duração: 3 meses| total: 36 minutos

Primeira pessoa| com Bárbara Malavoglia
Replay de vozes de artistas que falam de dança e coreografia na primeira pessoa, de um ponto de vista absolutamente pessoal. Com comentários. Alguns exemplos: Isadora Duncan, Vaslav Nijinsky, Chandralekha, Yvonne Rainer, Helio Oiticica. Aproximações com literatura.
15 minutos – na lua nova e na lua cheia – duração: 3 meses| total: 1h30

Galáxias| com Bárbara Malavoglia
Leitura das 50 Galáxias de Haroldo de Campos
5 minutos - 5x semana – duração: 3 meses| total: 5h

Cristal e Chama| com Bárbara Malavoglia e convidados
Apresentação dos ritmos da dança clássica indiana Bharatantyam, primeiro cantados, depois com sinos nos pés. Apresentação de ritmos na dança moderna [Limón], primeiro cantados com o corpo parado, depois cantados durante o movimento. Criação de cantos ritmados ao assistir dança contemporânea.
Realizada com coro de alunos convidados.
15 minutos - 2x semana – duração: 3 meses| total: 6h

Cerco-Vivo| com Andreia Yonashiro, Bárbara Malavoglia, Marion Hesser e convidados
Ao imaginar uma pedra que ao ser jogada na água cria círculos de diferentes tamanhos ao seu redor, bebendo da Roda-Viva, nesse programa um entrevistado é jogado no centro da roda: as três artistas do Cerco Coreográfico junto a três convidados fazem uma rodada de perguntas; o público se encontra num círculo ainda maior e ao final pergunta também. Transmissão ao vivo; perguntas on-line também serão recebidas.
1h30 - 1x semana – duração: 2 meses| total: 12 horas

No esforço de criar uma rádio, sentimos também a alegria de encontrar outros artistas que já há algum tempo tocam na questão do som e da dança de uma maneira poética. Gostaríamos que a rádio desse vazão a essas iniciativas, de modo que o nosso gesto de aproximar essas vozes possa criar uma polifonia. Com isso, seguem abaixo alguns dos programas que gostaríamos de reprisar dentro da nossa programação:

Coreográficas, com Marina Guzzo
da Radio Silva
Existe música de dançar? Existe dança sem música? O que vem primeiro? Como se constrói um movimento de ouvir? Ou uma música de ver? O programa investiga a relação entre música e dança a partir de obras coreográficas e suas trilhas sonoras, escolhas dos coreógrafos e contextos políticos que possibilitaram rupturas e continuidades entre essas duas linguagens artísticas. Em formato de “drops” na programação, apresenta uma música e cria o contexto para imaginar como ela poderia ser dançada.


Entremeando a programação:
Petites Planets _ https://vimeo.com/vincentmoon
Músicas gravadas por Vincent Moon. De rituais trance nos subúrbios de Hanoi às cerimônias xamanicas no coração da Amazonia, de sons experimentais em Singapura até rituais Sufis na Chechênia, uma pesquisa sonora e poética do mundo de hoje.
Será, portanto, nessas ocasiões que poderemos pôr à prova nossos experimentos.

Essa maneira de compor e conceber um evento que não reproduz os formatos usuais de espetáculo, oficina, festa ou palestra, vem sendo nosso objeto de interesse nos últimos três anos, algo que poderíamos chamar de procedimento cerco coreográfico.

Desenhamos um período intensivo de uma lunação para a realização de um jogo de composição coreográfica baseado em variação de pronomes, tendo no horizonte que as danças criadas terão uma temporada de transmissões na rádio. Ou seja, o convite é para a criação de um pensamento coreográfico voltado a uma transmissão radiofônica. Convidamos para isso 3 artistas que conosco foramam um grupo de 3+3.

O jogo se baseia numa variação pronominal, brincadeiras em torno de eu-tu-ele-nós-vós-eles. A cada lance de dados se determina um número de pessoas que atuará como coreógrafo (saindo da lógica mais comum de uma única assinatura) e o número de pessoas que irá dançar a coreografia. As variações dentre seis pessoas são inúmeras. Deixamos nas mãos dos dados as determinações, confiando que todo lance de dados emite um pensamento.

As coreografias serão breves pelo desejo de experimentar algumas das muitas variações possíveis, mas também por um interesse coreográfico do que acontece quando nos damos essa liberdade de duração, já que a lógica mercadológica de que hoje em dia uma criação em dança deve ter entre 40 minutos e 1 hora condiciona absolutamente os trabalhos, sendo que podemos citar exemplos de maravilhosas criações que transformaram a história da dança cujas durações são das mais variadas, como A Tarde do Fauno de Nijinsky, com seus 10 minutos, ou os mais ou menos 6 minutos de Trio A de Yvonne Rainer.

Nesse jogo também existe um pensamento sobre público: cada coreografia deve ser criada visando um público-determinado [p-d], por exemplo um grupo de 30 mulheres de mais de 70 anos, por exemplo um grupo de 9 filósofos. Dessa forma as relações entre quem coreografa, quem dança e quem assiste criam um triângulo que é ele mesmo matéria para a criação. O público não está fora dessa equação, não é totalmente determinado, mas não é totalmente aleatório.

Com estruturações numéricas e geométricas bastante precisas, determinações de tempo de trabalho, números de coreógrafos, dançarinos e públicos, duração das criações, etc., essa fase se assemelha para nós à um cristal. Ao mesmo tempo, na proliferação de equações matemáticas nos chama a chance eminente do caos, nos lances de dados as chances para sermos surpreendidos pelo acaso. Foi de uma obra de Joseph Beuys que bebemos o título “Crânio Explodindo com Cristal”.

Vindos de uma grande abertura para que as matérias e pessoas que carregam seus mundos criem faíscas entre si durante o pré-clímax, tendo no horizonte a grande abertura ao planeta que é uma rádio, essa fase existe no meio disso como artificio que cria passagens: do caos a cosmo e de volta ao caos, da fluidez à forma e de volta à fluidez.

Importante salientar que durante a fase anterior de Pré Clímax, esses três artistas convidados estarão próximos, adentrando a pesquisa conforme for dos seus interesses no corpo-a-corpo e nos cursos e participando da série Sem-Título. Para irmos ganhando intimidade coreográfica uns com os outros, durante o período de pré-clímax faremos três lances de dados, para criar coreografias de um para um (um coreógrafo, um solista, tête-a-tête) com duração de no máximo um minuto, que poderão vir a ser matéria dos Sem Título ou do próprio "Crânio Explodindo com Cristal".
Nas fases e acontecimentos de Seiren está implícito um pensamento sobre público, uma partitura que define diferentes relações e possibilidades de jogo.
Transitando nesses diferentes tipos de abertura ao público, teremos a chance de experimentar a potência dessas relações e a interferência destas em cada um dos processos de criação.
Também acreditamos que podemos fazer uma divulgação bastante eficaz lidando com públicos determinados, sem cair nessa vastidão tantas vezes sem saída que é lidar com um público abstrato.


Casa Ateliê

Sendo coerentes com a concepção artística de Seiren privilegiamos o trabalho em ateliê, para criar condições de um aprofundamento técnico-artístico artesanal, minucioso e preciso.

Ter um espaço de trabalho, ter um chão, um lugar onde basta entrar para sentir a vibração do convívio cotidiano com os materiais, experimentos e criações.

Em nossas últimas criações experimentamos trabalhar em duas casas semi-habitadas. Construímos roteiros coreográficos e espaços instalativos para a partilha da nossa pesquisa e convidamos o público a percorrê-los. Nessa exepriências, foi bastante forte para nós sentir a diluição dos limites entre privado e público, criando uma espécie de entre-lugar onde não estão tão delimitadas as regras e convenções que costumam cercear os territórios da arte ou da vida íntima.
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Divulgação

Durante o Pré-Clímax trabalharemos com divulgação através de cartazes espalhados pela cidade e de flyers virtuais para emails, sites e facebook.
A partir dos públicos prioritários dos cursos e ateliês-oficina e dos públicos-destinatários [p-d] de cada Sem Título e de cada coreografia criada para a mostra "Crânio Explodindo com Cristal" escolheremos os lugares aonde serão espalhados os cartazes de divulgação.
Nesses cartazes as pessoas serão direcionadas para nossa plataforma virtual, onde poderão se inscrever para uma ou outra atividade e ter um panorama mais amplo da estrutura de Seiren.
Outra estratégia para alcançar esses públicos específicos é encontrar pessoas chave, que estão em contato com um ou outro público e que podem nos ajudar a disseminar uma divulgação virtual. Por exemplo, se quisermos dançar uma coreografia para sete mulheres de mais de 75 anos podemos encontrar uma pessoa que organiza eventos para mulheres da terceira idade e que já está articulada com essa rede.
Para o desenvolvimento de estratégias de divulgação da Rádio, teremos a pareceria de um midiálogo e de uma assessora de imprensa.
Também seguiremos na parceria com Sara Lana, com quem investigaremos as maneiras de fazer a matéria som vazar no mundo nessa interface com a linguagem da programação.
Nos interessa por exemplo a tecnologia do QRcode, com a qual poderíamos colar adesivos em diversos pontos da cidade, que quando fotografados nos celulares que hoje todos carregam, direcionam as pessoas para a rádio.
Outra possibilidade que vislumbramos é de realizar parcerias com diversos espaços culturais que poderiam durante algumas horas do dia deixar no ar a nossa rádio.



The sun had not yet risen. The sea was indistinguishable from the sky, except that the sea was slightly creased as if a cloth had wrinkles in it. Gradually as the sky whitened a dark line lay on the horizon dividing the sea from the sky and the grey cloth became barred with thick strokes moving, one after another, beneath the surface, following each other, persuing each other, perpetually.
[V. Woolf]
1, Oceano

2, Estrutura

pré climax, materias

pré climax, criações

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Pré Climax

O pré-clímax consiste em um período de 8 meses de aperfeiçoamento técnico-artístico que cria as condições para a realização da rádio: um corpo a corpo demorado e diário com materiais técnicos e teóricos, cursos e ateliês, pontuado pela criação de trabalhos inéditos apresentados em partilhas específicas.

O intuito é, por um lado, criar um corpo comum de conhecimentos que envolve campos e técnicas específicas, demorando-se neles para corporificá-los.

Por outro, criar travar diálogo para gerar intimidade entre as pessoas-chave na realização da rádio: as três artistas do Cerco Coreográfico, uma artista que trabalha com linguagem de programação, um artista sonoro que se dedica à captação e os outros artistas implicados em Seiren.
5, sounddance
In the buginning is the woid,
in the muddle is the sounddance
and thereinofter you're in the unbewised again
[James Joyce]


- Escuta! O que é que ressoa?
- É um corpo sonoro.
- Mas qual? Uma corda, um metal, ou o
meu próprio corpo?
- Escuta: é uma pele esticada sobre uma câmara de ressonância, e que um outro golpeia ou
dedilha, fazendo-te ressoar segundo teu timbre
e ao seu ritmo.

[Jean-Luc Nancy]
A liberdade do artista foi sempre “individual”, mas a verdadeira liberdade só pode ser coletiva. Uma liberdade ciente da realidade social, que derrube as fronteiras da estética, campo de concentração da civilização ocidental
[Lina Bo Bardi]
“Naná Vasconcelos morreu”. Na casa de Diamantina, meus olhos deixaram a água que passava pelo pó de café e fecharam. Aguaram. Sorri sabendo que no dia o sol cumpria um eclipse total e que na ante-noite a lua cravara uma fase nova em peixes. “É o céu, honrado, que recebe Naná”, pensei. Lembrei que pedi a ele o único autógrafo que tenho, um tanto depois de aprender com Baryshnikov para que servem os autógrafos: para que se possa ganhar um pequeno momento dentro dos olhos de um mestre. O papel, a letra, o assunto — não importam. Importa o gesto, uma alegria de se aproximar, manter-se diante e olhar. Cada detalhe da pele, minúcia da ruga, o jeito da mão na caneta, os pelos, cílios, sobrancelhas que curvam, arco da boca se sorri.

Numa quase fronteira do Sul, no inverno eu subi ao topo de uma cordilheira para ver um eclipse total solar. Daquela tarde, sei que comigo eu tinha minha irmã, que por cima de tudo eu vestia uma grande manta clara, que também a altura transforma montanhas em paisagem, que gelo e céu podem e se misturam sem linha, que a luz durante um eclipse é dourada e sólida, absolutamente dourada e sólida. Com o frio, quando a lua por fim se sobrepôs e a atmosfera escureceu plena do sol negro, cada lágrima caiu como se fora pequenino diamante — um tipo de garimpo do dentro.

De volta a São Paulo, telefonei para o meu bem e perguntei “— Quando vamos a África?”. Ele me respondeu elencando os timbres da percussão: madeira, metal, pedra, pele. Água. A gente se tornava rio ou chuva amazônica com Naná. Do palco ele chamou um jogo e com as vozes a gente fez um imenso ruído branco. Ontem pela manhã me pediram três palavras. Eu anotei “escuta”, “ritmo” e “hábito”.

Todos os dias eu posiciono um estetoscópio contra o meu próprio coração.

Eu não me esqueço das pessoas. Mais do que ladeiras, igrejas, cachoeiras, plantas infiltrando-se nos muros, uma palmeira imperial e o piano — as pessoas deixaram algo em mim. Intuo que cintila. Penso que eu poderia ver o que é porque a pele é translúcida. Não vejo, no entanto.

Diamantina, São Paulo
entre o fim da estação e o terceiro dia do outono, 2016
Sol negro,
Percussion music is revoltution.
[Cage]
Knowledge is only rumour until it is in the muscle.

provérbio da Papua Nova Guiné